Uma das
principais pautas dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate a
endemias, o piso nacional das categorias poderá ser votado nesta próxima
semana, no dia 12 de novembro, na Câmara Federal. O Projeto de Lei 7495/06, do
Senado Federal, que prevê esta e outras questões, voltou a tramitar na Casa no
mês de outubro. Nesta ocasião, o líder do PT e deputado federal Arlindo
Chinaglia (PT/SP) pediu o adiamento da votação por não concordar com a
responsabilidade da União em assegurar os custos trabalhistas do piso, sem
dividir com estados e municípios. O projeto não foi apreciado por conta do
encerramento da sessão, mas a matéria agora tramita em caráter de urgência.
"Este projeto não é novidade nem para a categoria nem para o Governo. A
gente está com este texto na mesa de negociação desde 2010. Mas o governo
sempre colocou como barreira o financiamento tripartite e a categoria cansou de
esperar. Desistimos de qualquer diálogo com o governo que não passasse pelo
Congresso Nacional. No início do mês de abril, fizemos um congresso nacional da
categoria e saímos com o objetivo de pautar e votar o projeto do jeito que ele
estava em 2011", conta Elane Alves, assessora jurídica da Confederação
Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde (Conacs). O PL que traz ainda
diretrizes para a criação de um Plano de Cargos e
Salários regulamenta os incisos 4º e 5º do art. 198 da Constituição, e
dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art.
2º da Emenda Constitucional nº 51.
A categoria não
tem um piso salarial em âmbito nacional, mas, por meio da portaria 260/2013, o
Governo Federal repassa aos municípios um incentivo de R$ 950 mensais por
agente comunitário de saúde. Não há exigência, no entanto, de que este valor
seja repassado inteiramente como salário para os agentes. Há relatos, de acordo
com a Confederação Nacional dos Agentes Comunitários (Conacs), de agentes
comunitários de saúde que chegam a ganhar R$ 270 mensais. A proposta
apresentada pelo PL é de que o piso salarial comece no valor de R$ 950 e, de
forma escalonada, ainda em 2014 chegue a R$ 1.012. O horizonte é alcançar dois
salários mínimos até 2019, o que daria cerca de R$ 1.356, de acordo com o
salário mínimo atual.
Sem consenso
"Agora no
dia 12 de novembro, vamos apresentar duas emendas: uma em relação à correção de
valores, porque o cálculo tal como está no projeto está defasado, e a outra é a
retirada do escalonamento porque o que nos resta diante da falta de diálogo com
o governo é sair com o piso regulamentado", explica Elane Alves, que
informou que a proposta reajustada é de que o piso nacional inicial seja de R$
1.012.
O diretor de
formação e prática sindical do Sindicato dos Agentes de Saúde e Combate a
Endemias de Pernambuco (Sindacs-PE), Ednai Silva, informa que esta proposta de
emenda não é consenso entre os agentes comunitários de saúde e de combate a
endemias. "A luta dos agentes é por dois salários mínimos, e não o acordo
que a Conacs fez com alguns deputados de transformar o repasse atual [R$ 950],
de acordo com a portaria 260, em piso. Além disso, a discussão de escalonamento
não deve ser colocada de lado", avalia.
Outra defesa do
Projeto de Lei é de que os agentes tenham vínculo com órgão ou entidade da
administração direta, autárquica ou fundacional. Hoje, a Emenda Constitucional
51 estabelece o vínculo destes trabalhadores diretamente com o município, mas
nem todas as secretarias de saúde cumprem esta determinação. "De 2006 a
2010 focamos na efetivação deste processo do vínculo empregatício. Hoje podemos
dizer que grande parte dos agentes do país tem este vinculo direto, embora
ainda existam situações preocupantes nas regiões Sudeste e Sul, dando destaque
para o Rio de Janeiro e São Paulo. A análise que fazemos sobre o vínculo
precário é diferente destes gestores. Para nós, tem que ser cumprido o vínculo
direto, como estabelece a Emenda 51, para eles a não-precarização já se dá por
meio da contratação pela CLT", explica Elane.
Avanços e Retrocessos
Como mostrou a
matéria Desafios da gestão municipal do SUS, da Revista Poli nº 26, pesquisa realizada pela Conacs em
2011 mostra que a forma de contratação dos agentes está avançando. "A
Região Nordeste teve avanços significativos: em Sergipe, por exemplo, 100% dos
agentes são atualmente contratados diretamente pelos municípios. Em
seguida vêm o Amapá, onde apenas 1% dos agentes não têm vínculo direto com o
município; e o Rio Grande do Norte, onde esse percentual é um pouco maior:
1,12%. Na outra ponta, o maior problema está no Sudeste: o Rio de Janeiro
lidera o ranking de ‘desobediência' à lei, com 20,31% dos agentes comunitários
do estado contratados por terceirização. Em seguida, vem o estado de São Paulo,
com 10,55%", diz a matéria.
"Existe
agente comunitário com contrato de boca. O caso do Rio de Janeiro é
emblemático quando se fala em contratação de profissionais. Além de serem
contratados por meio de organizações sociais, eles ainda têm metas a cumprir, o
que é um absurdo ao se tratar do trabalho do agente", avalia o
professor-pesquisador do curso técnico dos agentes comunitários de saúde da
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Gustavo Dantas,
que exemplifica com a situação oposta: "Em Recife os agentes comunitários
de saúde são servidores públicos, ou seja, com estabilidade. Além disso,
conquistaram plano de carreira e atribuições pactuadas com a categoria em nível
regional e nacional e com a comunidade. Existem ainda outras conquistas a serem
feitas neste município, mas já pode ser um norte para outros", avalia.
Outras questões
A formação
técnica é outra bandeira defendida pelos agentes. Atualmente, eles são os
únicos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) contratados sem uma
formação específica. A Escola Politécnica tem experiência nesta formação com um
curso de 1,2 mil horas-aula, realizado em três etapas. Mas a maioria dos
municípios oferece somente a primeira fase, a única que é financiada pelo
Ministério da Saúde. "A conclusão da formação técnica dos agentes
comunitários de saúde e a formação dos agentes de combate a endemias é ponto
fundamental para a Conacs. A Confederação entende que foi positivo o início de
cursos técnicos para os agentes, mas, ao mesmo tempo, muito frustrante o
cancelamento do financiamento da segunda e terceira etapas por parte do
Ministério da Saúde. Hoje teríamos mais de 300 mil profissionais mais
qualificados e estamos abrindo mão disso para investimento na saúde de urgência
e emergência", avalia Elane, que informa: "O próximo passo de
disputa, sem dúvida, é o plano de cargos e salários que vem atrelado à
formação. Mas são passos que devemos saber a hora de dar para não atropelar as
coisas", explica.
Para Gustavo
Dantas, a falta de formação técnica acarreta o não reconhecimento do agente
comunitário como um profissional de saúde da equipe técnica. "Isso acaba
limitando seus espaços de atuação. O agente comunitário é uma categoria de
muita potência, porque eles conseguem fazer um processo de transformação no
próprio modelo de saúde e operar processos emancipatórios na comunidade. A
formação coloca suas discussões em outro patamar", explica.
Em Recife também
há outra experiência relevante em relação à formação. Todos os agentes
contratados pela prefeitura foram formados por um curso em que o conteúdo
pedagógico foi elaborado de forma coletiva com trabalhadores técnicos, de
outras áreas da saúde e agentes comunitários atuantes na área. Esta formação
foi uma parceria entre o município e o estado, por meio da Escola de Saúde Pública
de Pernambuco. "As etapas dois e três custaram mais de R$ 3 milhões para a
prefeitura, mas foi possível. Vemos que esta realidade não é assim em outros
lugares porque está faltando compromisso. A partir do momento em que o agente
estiver empoderado do conhecimento técnico, ele poderá reivindicar melhor os
seus direitos. Se eu dou formação, ele vai servir melhor à sociedade, mas
também vai me cobrar mais", avalia Ednai.
Desvio de atribuições
Gustavo Dantas
também aponta como ponto central de discussão as atribuições dos agentes
comunitários. "Esta é uma categoria que ao longo do tempo assumiu muitas
atribuições. As mudanças não foram só quantitativas, também se descaracterizou
o sentido original deste sujeito, que é construir, a partir de uma relação com
a comunidade, o processo de luta da saúde enquanto direito, o cuidado da
comunidade em exercer a sua saúde. Isso tudo vem sendo desconstruído por uma
série de políticas gerencialistas", explica.
Ednai, que
também é agente comunitário, informa que as condições de trabalho dos agentes
são precárias. "Os agentes comunitários de saúde não são respeitados pelos
gestores nem pelos representantes no legislativo e executivo. Estamos nos
desviando do sentido real dos agentes, que é o de atender a população menos
favorecida da sociedade. Somos considerados educadores em saúde, uma orientação
que o agente de saúde faz deixa de causar muitos problemas para aquela
família", relata e denuncia: "Existem hoje atribuições que são
impostas aos agentes comunitários de saúde, que se sobrecarregam com atividades
que não são deles, como o preenchimento de planilhas, agendamento de consultas,
medição de pressão, coleta de sangue, coleta de dados para o bolsa família,
entre tantas outras".
Caminhos do cuidado
Lançado há uma
semana, dia 23 de outubro, em Brasília, o projeto Caminhos do Cuidado tem
como intuito qualificar agentes comunitários de saúde e auxiliares e
técnicos de enfermagem em saúde mental para lidar com questões relacionadas ao
crack, álcool e outras drogas. Ele prevê a capacitação de 290.760
profissionais. Este projeto é uma parceria entre o Instituto de Comunicação e
Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e o Centro de
Educação Tecnológica e de Pesquisa em Saúde - Escola GHC do Grupo Hospitalar
Conceição, de Porto Alegre, e está inserido no plano integrado de combate às
drogas ‘Crack, é possível vencer'.
Gustavo Dantas,
da Escola Politécnica, avalia que este tipo de iniciativa é válida, mas que
isto demonstra que o projeto de formação técnica não faz parte dos planos do
governo. Embora afirme que "toda formação é algo que entendemos que
se deve disputar e não recusar", ele pondera: "Este é mais um exemplo
de formações segmentadas que demonstram o não interesse de uma formação mais
densa e integral, que é o que defendemos que deveria ser o norte destas
políticas que envolvem os agentes", opina.
Elane concorda e
diz que hoje os agentes estão tendo que aprender "na marra".
"Se ele fosse um profissional técnico, teria capacidade de atuar nestas
diferentes frentes. Mas colocam as situações desta forma. O agente não vai
ter capacidade de enxergar aquele novo conhecimento e aplicar como deveria
fazer porque não vai ter o conhecimento básico do seu papel, de como agir, como
entrar na casa da pessoa, como orientar e conduzir isso. O conhecimento não
pode ser isolado: ele tem que vir atrelado ao conhecimento do que é saúde
preventiva, que é o papel originário dos agentes", avalia.
Por: Viviane
Tavares/ Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Fonte: portal.fiocruz.br
Acesso em 04/11/13, divulgação em 01/11/13
Fonte: portal.fiocruz.br
Acesso em 04/11/13, divulgação em 01/11/13
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